top of page
  • Foto do escritorIgor Emerich

Sobre o nascimento de Jesus

Atualizado: 3 de jun. de 2021


Na Bíblia cristã, os únicos textos que tratam do nascimento de Jesus são o Evangelho segundo Mateus e o Evangelho segundo Lucas. Mateus traz um breve resumo da Natividade enquanto Lucas desenvolve uma narrativa um pouco maior e com mais detalhes. Em Mateus, lemos no primeiro capítulo uma genealogia de Jesus e posteriormente José assumindo a paternidade de Jesus. Já no capítulo dois o texto cita brevemente o nascimento de Jesus em Belém da Judeia; a visita dos magos vindo do Oriente, que seguindo uma estrela teriam descoberto o local de nascimento do menino; a fuga da família de Jesus para o Egito, depois de saber que Herodes queria matar o menino; e o massacre que Herodes teria promovido contra as crianças de dois anos ou menos, depois de ter se sentido enganado pelos magos que afirmaram que voltariam para dizer onde Jesus teria nascido, mas não voltaram. Nesse mesmo capítulo, Jesus e sua família retornam do Egito e vão morar na cidadezinha de Nazaré, na Galileia.


Em Lucas, lemos um longo relato da anunciação do nascimento de João Batista, que teria sido primo de Jesus e aquele que o batizaria mais tarde; um relato da anunciação do nascimento do próprio Jesus; lemos também sobre a visita de Maria a sua prima Isabel, mãe de João Batista; o nascimento e a circuncisão de João Batista; “o Benedictus” e a “vida oculta de João Batista”. No capítulo dois é abordado o nascimento de Jesus em Belém da Judeia, o texto diz que devido a um decreto de César Augusto, enquanto Quirino era governador da Síria, José teria saído de Nazaré e ido com Maria, que estava próxima de dar à luz, até a cidade natal de seus ancestrais, Belém, para participar de um recenseamento. Jesus teria nascido numa manjedoura “porque não havia um lugar para eles na sala” (Lc. 2:7). No referido texto, quem visita o menino Jesus são os pastores que foram avisados do nascimento dele por um Anjo do Senhor, e não os magos, como descrito no Evangelho segundo Mateus. Lemos também sobre a circuncisão e a apresentação de Jesus no Templo, sobre o cântico e a profecia de Simeão, sobre a profecia de Ana e sobre a “vida oculta de Jesus em Nazaré”. Já no final do capítulo dois, lemos sobre Jesus, aos doze anos de idade, ouvindo e interrogando os doutores no Templo (o texto claramente visa enfatizar a autoridade de Jesus).


O problema é que além dessas narrativas serem mutuamente contraditórias, elas contêm elementos lendários (por ex., nascimento virginal de Jesus, estrela guia, magos) e são historicamente incorretas (por ex., a matança dos meninos de dois anos por Herodes, o censo de Quirino). Ou seja, parece que tanto o autor de Mateus quanto o de Lucas viam com constrangimento o fato de seu Messias ter vindo do Norte, de Nazaré, uma cidade pequena e muito pobre da Galileia, e não do Sul, de Belém da Judeia, de onde, segundo o profeta Miqueias (5:2), viria o salvador de Israel. além disso, havia a questão do preconceito. Há no Evangelho de João (1:46) indícios do preconceito que sofriam os judeus do Norte, especialmente os da cidade de Nazaré. Para tentar resolver esse “problema” e fazer "cumprir" a promessa feita em Miqueias 5:2, os autores dos dois Evangelhos citados criaram narrativas de Jesus nascendo em Belém. Contudo, ao aplicarmos aos textos o critério do constrangimento, que neste caso é corroborado pelo critério da múltipla confirmação (leia sobre esses e outros critérios nesta página, no post intitulado “Estudo sobre o Jesus histórico – parte III”), notamos que é muito mais provável que Jesus tenha nascido em Nazaré e que de lá tenha saído já adulto para fundar seu ministério.


E quanto ao fato de a tradição cristã comemorar o dia 25 de dezembro como a data do nascimento de Jesus? Jesus nasceu nesse dia? Sobre isso escreve Geza Vermes, historiador e especialista em História das Religiões, particularmente em história do judaísmo antigo e do cristianismo primitivo:


“Com todo o devido respeito à tradição cristã, alguns dos pontos essenciais do conjunto das comemorações do Natal estão muito distantes dos fatos e da realidade. Por exemplo, a probabilidade de Jesus ter nascido em 25 de dezembro é de 1 em 365 (ou 366, em anos bissextos). Essa data foi inventada pela igreja ocidental no século IV sob o imperador Constantino, como forma de substituir o festival pagão do Sol Invicto; para sermos mais exatos, seu primeiro registro em um calendário romano ocorre em 334 d.C. A maioria dos cristãos orientais celebra o nascimento ou manifestação de Jesus no mundo na festa da Epifania (6 de janeiro), enquanto, de acordo com o Padre da Igreja do século II Clemente de Alexandria, outras comunidades orientais comemoravam o evento em 21 de abril ou 20 de maio (Stromateis [Miscelânea] 1,21)” (VERMES, 2007, pp. 17-18).


 

Bibliografia


Bíblia de Jerusalém. Nova edição, revista e ampliada. 12ª reimp. São Paulo: Paulus, 2017.


VERMES, Geza. Natividade. Rio de Janeiro: Record, 2007.





* Sobre a imagem que ilustra este artigo: Deutsch: Geburt Christi: óleo sobre madeira de Bernardo Daddi, cerca de 1325-1350.

Posts recentes

Ver tudo

Comments

Rated 0 out of 5 stars.
No ratings yet

Add a rating
bottom of page