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Jesus e o dízimo

Foto do escritor: Igor EmerichIgor Emerich

Atualizado: 28 de mai. de 2021



Os Evangelhos de Mateus (23:23) e de Lucas (11:42; 18:12) são as únicas fontes que narram Jesus falando acerca do dízimo. Mas estabelecer o que de fato o Jesus histórico teria dito ou feito com base nos Evangelhos demanda um estudo muito cuidadoso com métodos apropriados, uma vez que tais livros foram escritos décadas após a morte de Jesus por pessoas que não tiveram contato com ele e, além disso, como destaca Erhman (2014, pp. 264, 265) os tais Evangelhos apresentam muitas discordâncias entre si em vários pontos, e às vezes até de forma radical, sobre o que Jesus teria dito ou feito. Contudo, se entendermos Jesus de Nazaré dentro do judaísmo do primeiro século [1], com todas as suas variantes, como defende a maioria dos estudiosos há várias décadas (cf. BORG e CROSSAN 2010, p. 51), como um judeu que a seu modo interpretou e ensinou as Escrituras judaicas aos seus seguidores e discípulos, como escreve Ehrman (2015, p. 30), é provável que esse Jesus histórico em algum momento de seu ministério tenha falado sobre o dízimo. E até pode ser que ele tenha protagonizado em algum momento uma cena parecida com a descrita em Mateus e em Lucas, em que censura os fariseus por se preocuparem em separar minunciosamente o dízimo e negligenciarem “os preceitos mais importantes da Lei: a justiça, a misericórdia e a fé. Conforme nos diz Flusser (2000, p. 14): “Jesus era um judeu que falava para outros judeus. Por conseguinte, sem nenhuma dúvida, Jesus e sua mensagem pertencem à estrutura do judaísmo de seu tempo: é parte inseparável dele.” Mas, embora Jesus possa ter tratado acerca do dízimo, provavelmente ele não deve tê-lo praticado. De acordo com Malheiros (2016, p. 87), a Bíblia hebraica (cf., por ex., Dt 14:22 e Lv 27:32) [2], as obras do historiador judeu Flávio Josefo e a Mishná, mostram que os únicos itens sujeitos ao dízimo eram os das atividades pecuária e agrícola, e como Jesus e seu pai eram “carpinteiros”, estavam isentos do pagamento do dízimo.

Cabe ressaltar que em momento algum o Jesus dos textos de Mateus e Lucas condena o dízimo ou dá ordens para que seus seguidores e discípulos pagassem ou não esse tributo (cf. CROTEAU, 2005, pp. 124-127). Jesus via o dízimo como parte da lei mosaica, como nos diz Budiselić (2015, p. 40). Mas a questão central da fala de Jesus em Mateus 23:23 (tal como em Lucas) não é o dízimo em si, mas, como diz Croteau: “O foco desta passagem é sobre a ênfase desproporcional que os escribas e os fariseus colocam no dízimo dessas especiarias ao negligenciar questões mais centrais da lei mosaica [...].” (CROTEAU, 2005, p. 127, tradução nossa).


Notas


1- Sei que muitos cristãos sequer se dão conta de que Jesus não era cristão e sim judeu, mas é fato que Jesus era um judeu e que o cristianismo começou a se formar após sua morte e devido a crença na sua ressurreição.


2- É importante registrar que embora o dízimo de Abrão (Gn 14:20) esteja inserido na Bíblia hebraica, ele não faz parte da lei mosaica e nem da crença em YHWH. Esse dízimo foi pago por Abrão em honra e agradecimento ao deus El por sua vitória na guerra contra a coalizão de reis que havia saqueado as cidades de Sodoma e Gomorra e sequestrado seu sobrinho Ló (cf., por ex. RÖMER, Thomas. A origem de Javé: o Deus de Israel e seu nome. São Paulo: Paulus, 2016, pp. 82, 83; ARMSTRONG, Karen. Uma história de Deus: quatro milênios de busca do judaísmo, cristianismo e islamismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, pp. 28, 29; CHAMPLIN, R. N. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e filosofia. vol. 2. São Paulo: Hagnos, 2006, p. 210; CROTEAU, David A. A Biblical And Theological Analysis Of Tithing: Toward a theology of giving in the new covenant era. 2005. 336f. Dissertação (Mestrado) – Southeastern Baptist Theological Seminary, Wake Forest, North Carolina, p. 77).

 

Bibliografia


A BÍBLIA Sagrada. Texto Bíblico: Revista e Atualizada no Brasil (ARA). 2 ed. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 1993.

ARMSTRONG, Karen. Uma história de Deus: quatro milênios de busca do judaísmo, cristianismo e islamismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

BORG, Marcus J; CROSSAN, John Dominic. A Última Semana: Um relato detalhado dos dias finais de Jesus. Tradução: Alves Calado. Rio de Janeiro: Ediouro, 2010.

BUDISELIĆ, Ervin. The Role and Place of Tithing in the Context of Christian Giving - Part 2, Zagreb, Croatia, v. 9, n. 1, maio, 2015. Disponível em: http://hrcak.srce.hr/index.php?show=clanak&id_clanak_jezik=205979. Acesso em: 17 set, 2017.

CHAMPLIN, R. N. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e filosofia. vol. 2. São Paulo: Hagnos, 2006.

CROTEAU, David A. A Biblical And Theological Analysis Of Tithing: Toward a theology of giving in the new covenant era. 2005. 336f. Dissertação (Mestrado) – Southeastern Baptist Theological Seminary, Wake Forest, North Carolina. Disponível em: http://digitalcommons.liberty.edu/fac_dis/17/ Acesso em: 17 ago. 2017.

EHRMAN, Bart D. Jesus existiu ou não? Tradução: Anthony Cleaver. Rio de Janeiro: Agir, 2014.

EHRMAN, Bart D. O que Jesus disse? O que Jesus não disse: quem mudou a Bíblia e por quê? Tradução: Marcos Marcionilo. 2 ed. Rio de Janeiro: Agir, 2015.

FLUSSER, David. O Judaísmo e as Origens do Cristianismo: Os Manuscritos do Mar Morto e o Novo Testamento. Tradução: Reinaldo Guarany. Vol. I. Rio de Janeiro: Imago, 2000.

MALHEIROS, Isaac. O dízimo no período anteniceno (100-325 d.C.). São Paulo, v. 10, n. 18, jun/dez, 2016. Disponível em:https://revistas.pucsp.br/index.php/reveleteo/article/view/29224/21649. Acesso em: 09 jul. 2017.

RÖMER, Thomas. A origem de Javé: o Deus de Israel e seu nome. São Paulo: Paulus, 2016.



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