As fases da pesquisa sobre o Jesus histórico
De acordo com Theissen e Merz (2015, pp. 21-30), foram cinco as fases dos estudos sobre o Jesus históricos. Os autores as intitulam da seguinte forma:
1) “Primeira fase: Os ‘impulsos’ críticos para a questão do Jesus histórico por H. S. Reimarus e D. F. Strauss”, cujos principais representantes são: Hermann Samuel Reimarus (1694-1768), Gotthold Lessing (1729-1781), Johann Gottfried Herder (1744-1803) e David Friedrich Strauss (1808-1874). Hermann Samuel Reimarus, um filósofo iluminista alemão reconhecido pelo seu deísmo, deu inícios aos estudos do Jesus histórico analisando a vida de Jesus através de uma “perspectiva puramente histórica”. Ele propôs o uso de uma metodologia que separasse a “pregação de Jesus e a fé dos apóstolos no Cristo”. Ou seja, separar o que o Jesus histórico poderia de fato de ter dito daquilo que era só uma interpretação teológica das pregações de Jesus feita pelos apóstolos. Para tal empreitada, Reimarus estabelece que as pregações de Jesus só podem ser entendidas no contexto do judaísmo do tempo de Jesus. Um outro ponto do estudo de Reimarus a se destacar é o da “teoria de fraude objetiva”, através dessa “teoria”, Reimarus diz que o corpo de Jesus teria sido roubado e ocultado por seus discípulos que teriam se sentindo fracassados pela morte daquele que eles consideravam o Messias. E ainda segundo Reimarus, após cinquenta dias da morte de Jesus, quando o corpo já estaria irreconhecível, os discípulos teriam declarado a ressurreição do seu mestre. As propostas de Reimarus para o estudo do Jesus histórico só foram publicadas postumamente por Gotthold Lessing, um poeta, dramaturgo, crítico de arte e filósofo iluminista. A proposta de Reimarus em separar o que é provavelmente histórico do que é teológico na narrativa sobre Jesus nos Evangelhos, e isso com base no entendimento de que as pregações de Jesus deveriam estar fundamentadas na religião judaica de seu tempo (Jesus era um judeu fiel a lei judaica), até hoje está vigente, já a “teoria de fraude objetiva”, foi corrigida pelo filósofo e teólogo David Strauss, que era discípulo de F. Chr. Baur e de F. W. Hegel;
2) “Segunda fase: o otimismo da pesquisa liberal sobre a vida de Jesus”, cujos principais representantes são: Heinrich Julius Holtzmann (1832-1910), Karl Von Hase (1800-1890) e Willibald Beyschlag (1823-1900).
Norteou essa segunda fase sobre os estudos do Jesus histórico a esperança “pela reconstrução histórico-crítica da personalidade legitimadora de Jesus e de sua história”, com o intuito de “renovar a fé cristã e com isso deixar para trás o dogma cristológico da Igreja” (THEISSEN e MERZ, 2015, p. 23). “A base metodológica da pesquisa liberal sobre Jesus é a exploração crítico-literária das fontes mais antigas sobre Jesus” (THEISSEN e MERZ, 2015, p. 23);
3) “Terceira fase: o colapso da pesquisa sobre a vida de Jesus”, cujos principais representantes são: Albert Schweitzer (1875-1965), Rudolf Karl Bultmann (1884-1976), Martin Dibelius (1883-1947), Karl Ludwig Schmidt (1891-1956) e Georg Friedrich Eduard William Wrede (1859-1906). Nessa fase, o teólogo, filósofo e médico alemão Albert Schweitzer, através de sua obra intitulada A busca do Jesus histórico, mostrou um dos problemas com a pesquisa liberal sobre a vida de Jesus. Schweitzer “demonstrou que cada imagem de Jesus da teologia liberal revelava a estrutura de personalidade que aos olhos do autor, valia como o ideal ético mais digno de almejar” (THEISSEN e MERZ, 2015, p. 24). Já o teólogo luterano alemão William Wrede foi responsável por expor mais um problema com os estudos liberais sobre Jesus. Wrede mostrou o caráter tendencioso na escolha das fontes mais antigas existentes sobre Jesus. Karl Schimdt, por seu turno, mostrou o “caráter fragmentários dos evangelhos" ao argumentar que a tradição de Jesus consiste em ‘pequenas unidades’ e que o quadro cronológico e geográfico ‘da história de Jesus’ foi criado secundariamente pelo evangelista Marcos”, o que nos impede de “extrair um desenvolvimento da personalidade de Jesus a partir da sequência dasperícopes” (THEISSEN e MERZ, 2015, p. 24).
Essas críticas causaram um certo ceticismo sobre os estudos da vida de Jesus, que só foi de certa forma diminuído pelos novos estudos feitos pelo teólogo alemão Rudolf Bultmann.
4) “Quarta fase: a ‘nova pergunta’ pelo Jesus histórico”, cujos representantes são: Ernst Käsemann (1906-1998), Günther Bornkamm (1905-1990), Ernst Fuchs (1903-1931), Gerhard Ebeling (1912-2001) e Braun.
Como escrevem Theissen e Merz (2015, p. 25): “Enquanto a (antiga) pergunta liberal pelo Jesus histórico o jogava contra a pregação da Igreja, a ‘nova pergunta’, desenvolvida no círculo dos discípulos de Bultmann, parte do Jesus querigmático e pergunta se sua exaltação fundada na cruz e na ressurreição tem alguma ‘base’ na pregação pré-pascal de Jesus”. Ainda segundo os autores: “O querigma cristológico compromete-se com ‘a pergunta pelo Jesus histórico’, pois (numa posição antientusiástica) se apoia numa figura terrena nos evangelhos. A identidade do Jesus terreno e do Cristo exaltado é pressuposta em todas os escritos do cristianismo primitivo” (THEISSEN e MERZ, 2015, p. 26). Nessa fase, se fez uso do critério da diferença ou critério da dissimilaridade, que estabelece que para se chegar àquilo que poderia ser considerada a “tradição autêntica” de Jesus, é necessário excluir das narrativas dos evangelhos o que pode ser derivado do judaísmo e do cristianismo primitivo.
Enquanto as pesquisas dessa quarta fase procuravam diferenciar Jesus do judaísmo, o estudo judaico sobre Jesus retoma “a tradição liberal e enfatiza aspectos que na pesquisa científica cristã foram pouco considerados, a saber, o caráter judaico da vida e do ensino de Jesus” (THEISSEN e MERZ, 2015, p. 27);
5) “Quinta fase: a ‘third quest’ pelo Jesus histórico”, cujos representantes são: Ed Parish Sanders (1937), Geza Vermes (1924-2013), Gerd Theissen (1943), Christoph Burchard (1931) e John Dominic Crossan (1934).
Como vimos, durante a quarta fase dos estudos sobre Jesus predominou um interesse teológico por trás das pesquisas que de forma arbitraria tentou separar Jesus do judaísmo e do cristianismo primitivo. Já na quinta fase, “que entra em cena principalmente no mundo de fala inglesa, o interesse histórico-social substitui o teológico, a inserção de Jesus no judaísmo substitui o interesse de separá-lo dele, a abertura também a fontes não canônicas (em parte heréticas) substitui a preferência de fontes canônicas” (THEISSEN e MERZ, 2015, p. 28).
Bibliografia
TREISSEN, Gerd; MERZ, Annette. O Jesus histórico: um manual. São Paulo: Edições Loyola, 2015.
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