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O dízimo no Período Apostólico (30-70)

Atualizado: 28 de mai. de 2021


Após a crucificação de Jesus por ordem do governador da Judeia Pôncio Pilatos, provavelmente no ano 30, onze dos discípulos mais próximos de Jesus, os que ele havia escolhido para serem seus apóstolos (com exceção de Judas que, segundo o livro de Atos dos Apóstolos (1:15-26), o havia traído e depois se suicidado, sendo substituído por Matias posteriormente), disseram, segundo os Evangelhos, terem visto seu mestre vivo e que ele os encarregara de saírem a espalhar seus ensinamentos primeiramente entre os judeus. Segundo Potestá e Vian (2013, p. 14), esses discípulos de Jesus não romperam relações com o Judaísmo de sua época, seguiam obedecendo “práticas cultuais e formas de observância da Lei”, porque de início, “não lhes ficou claro se e como deviam se afastar delas”. No entanto, mesmo que esses discípulos de Jesus, que foram chamados apóstolos após a morte de seu mestre, tenham observado determinada forma da lei mosaica, de acordo com Van Rensburg (2002, p. 87), nem no livro de Atos dos Apóstolos, escrito por Lucas (o mesmo escritor do Evangelho que leva seu nome) e que trata, mesmo que de forma idealizada das origens da Igreja de Jerusalém, e nem nas epístolas atribuídas aos apóstolos são encontradas qualquer ordem ou exortação a uma prática do dízimo na Igreja.

Algum tempo depois da crucificação de Jesus, conforme Atos dos Apóstolos (9:1-9), um membro da seita judaica dos fariseus com o nome de Saulo, que saiu de Jerusalém para Damasco a fim de promover uma perseguição contra os cristãos (conhecidos, então, como “nazoreus” ou “nazarenos”, devido a seu mestre Jesus ter nascido na aldeia de Nazaré, na Galileia, conforme esclarecem Potestá e Vian, 2013, p. 14), também alegou ter sido visitado por Jesus vivo enquanto caminhava para Damasco. E ao ter sua conduta questionada por esse Jesus, ficou momentaneamente cego e foi levado a Damasco, onde depois de se encontrar com um discípulo de Jesus, ficou curado da cegueira, como diz o texto bíblico. Depois desse dia, se converteu ao movimento dos nazarenos e passou a usar o seu nome latino Paulo. Ele foi um importante teólogo e missionário e acreditava ter sido chamado por Jesus para ser apóstolo dos “gentios”. Com isso, empreendeu viagens missionárias para estabelecer igrejas na Macedônia, na Acaia (atual Grécia), na Ásia Menor (atual Turquia) e em outras partes do Mediterrâneo. É razoável a informação de que Paulo tenha se juntado ao movimento de Jesus cerca de dois ou três anos após a crucificação de Jesus, como nos informa Ehrman (2014a, p. 187). A maior parte da literatura epistolar neotestamentária, que compreende algumas décadas do Período Apostólico (30-70), é atribuída à Paulo. Das vinte e uma epístolas do Novo Testamento, treze são atribuídas ao apóstolo, sendo sete delas hoje consideradas autênticas, outras três consideradas obras de discípulos de Paulo e as restantes têm sua “paternidade” questionável, como nos informa Potestá e Vian (2013, p. 17). Tais epístolas datam desde 49 até 62(?) (cf. EHRMAN, 2014b, p. 120) e são os mais antigos documentos cristãos do primeiro século, serviam para orientar as primeiras comunidades cristãs no Mediterrâneo tanto em sua fé quanto em suas práticas. Em suas epístolas, Paulo parece tratar o cristianismo não mais como parte do judaísmo, mas sim como uma religião independente. Contudo, mesmo ao tratar, também, acerca das devidas contribuições aos que pregam o Evangelho e aos necessitados (cf., por ex.: 1 Cor 9:11-15, 16:1-4; 2Cor 8:1-15, 9:1-15), em nenhum trecho dessas epístolas é ensinado o dízimo ou se faz menção a prática do dízimo entre os cristãos desse período. Mas se o dízimo fosse de fato praticado pela igreja apostólica, Paulo, um dos mais profícuos escritores cristãos do primeiro século, não o teria, pelo menos de passagem, citado em alguma de suas epístolas? Moretsi (2009, pp. 405-408) defende que Paulo tenha ensinado sobre o dízimo de forma indireta em suas epístolas aos Coríntios. Mas, a exegese das perícopes (1Cor 9:13-17; 16:1-4, 2Cor 8:8; 9:7) usadas para defender esse suposto ensinamento de Paulo sobre o dízimo está certamente equivocada, como apontou Croteau, esclarecendo que “Paulo nunca se refere ao dizimo” (2005, pp. 152).

Outra referência ao dízimo no Novo Testamento, além das existentes em Mateus e Lucas (que analisamos no post intitulado “Jesus e o dízimo”), é encontrada no capítulo 7 da Epístola aos Hebreus, mas que também não pode ser entendido como ensinamento sobre dízimo para a Igreja. Conforme explica Paganelli (2010, p. 62): “Embora a repetição do fato de Abraão ter dizimado a Melquisedeque seja notória, aqui também o ensino central não é sobre o dízimo, mas o dízimo como aferidor da autoridade espiritual (ou sacerdotal) de Melquisedeque sobre Abraão, ou ainda sobre o próprio sacerdote Arão. Dessa forma, o texto irá desembocar na autoridade de Jesus, sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque e não segundo a ordem de Arão. O tema da passagem é este; o dízimo é usado como referência, como elemento que mede a autoridade daquele que o recebe”.


Por isso, ainda segundo Paganelli (2010, p. 62), não se pode “[...] tomar o texto de Hebreus 7 para ensinar sobre o dízimo no Novo Testamento. Seria um atentado contra o texto e contra as regras de interpretação fazer esta aplicação indevida”.

 

Bibliografia

CROTEAU, David A. A Biblical And Theological Analysis Of Tithing: Toward a theology of giving in the new covenant era. 2005. 336f. Dissertação (Mestrado) – Southeastern Baptist Theological Seminary, Wake Forest, North Carolina. Disponível em: http://digitalcommons.liberty.edu/fac_dis/17/. Acesso em: 17 ago. 2017.

EHRMAN, Bart D. Como Jesus se tornou Deus. Tradução: Lúcia Britto. São Paulo: Leya, 2014a.


______________. Jesus existiu ou não? Tradução: Anthony Cleaver. Rio de Janeiro: Agir, 2014b.

MORETSI, L. Tithing: an evaluation of the Biblical background. Durbanville, South Africa, v. 43, n. 2, jul, 2009. Disponível em: http://www.indieskriflig.org.za/index.php/skriflig/article/view/229. Acesso em: 23 set. 2017.

PAGANELLI, Magno. Dízimo: o que é e para que serve o dízimo, sua história e função social. São Paulo: Arte Editorial, 2010.

POTESTÁ, Gian Luca; VIAN, Giovanni. História do Cristianismo. Tradução: Orlando Soares Moreira. São Paulo: Edições Loyola, 2013.


VAN RENSBURG, Reuben David. Tithes And Offerings In The South African Context: The Bible And Reality. 2002. 208f. Tese (Doutorado) – Department of Practical Theology, University of Zululand, KwaZulu-Natal, South Africa. Disponível em: http://uzspace.uzulu.ac.za/handle/10530/429. Acesso em: 20 ago. 2017.



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