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  • Foto do escritorIgor Emerich

Maria, de camponesa a Mãe de Deus

Atualizado: há 4 dias


Não temos muitas informações sobre Maria e sua família, mas sabemos, através de uma análise crítica dos Evangelhos, que tanto ela quanto seu marido José e os filhos do casal, incluindo Jesus, moravam na Galileia, na pequena aldeia de Nazaré. Durante muito tempo a Galileia foi explorada por vários impérios e cerca de cem anos antes do nascimento de Jesus, Jerusalém voltou, sob a égide dos asmoneus, a dominar aquela região, depois de oito séculos, até que os romanos tomaram o poder da Palestina em 63 AEC (cf. HORSLEY, 2017). Os camponeses agora deveriam pagar altos tributos não só aos romanos, mas também aos "reis" dependentes de Roma naquela região e ao Templo em Jerusalém. Essa alta carga tributária gerou muita pobreza e levou a revoltas camponesas, ao banditismo social e aos movimentos messiânicos populares (cf. HORSLEY, 2020). Essas revoltas eram sempre combatidas com muita violência pelos poderes dominantes. O camponês Jesus e sua família estão inseridos nesse contexto político, econômico e social.


Jesus saiu de sua aldeia natal para começar seu movimento intrajudaico extremamente crítico a essa exploração e algum tempo depois foi crucificado pelos romanos como um agitador social (cf. CROSSAN, 1995). No entanto, décadas após a morte de Jesus outros movimentos sobre Jesus surgiram e alguns deles começaram a ensinar um Jesus, digamos, divinizado, até de fato ser tornado Deus pela Igreja, alguns séculos depois (cf. EHRMAN, 2014). Nas epístolas de Paulo, já na década de 50 do primeiro século, lemos sobre um Jesus já no começo de sua divinização (cf., por ex., Filipenses 2:5-11).


No século IV, com Constantino, o cristianismo proto-ortodoxo se tornou religião do imperador. Então, considerando que a divisão na religião geraria também divisão política, o que seria muito ruim para o imperador e para o Império, surgiu a necessidade premente de acabar com as divergências entre os vários grupos cristãos e impor uma ortodoxia, transformando assim os vários cristianismos com teologias diferentes em movimentos heréticos, passíveis de serem perseguidos e proibidos. Foi assim que o Primeiro Concílio de Niceia, em 325, conclamado pelo próprio imperador, definiu, através do Credo de Niceia, que Jesus é Deus, feito da substância de Deus (cf. RAMALHO, FUNARI, CARLAN, 2016). Essa discussão cristológica foi uma das mais polêmicas entre os cristãos dos primeiros séculos.


Mas uma questão ficava posta: se Jesus é Deus, como Maria, uma simples camponesa nazarena podia ter dado a luz ao próprio Deus? Ainda nas décadas finais do primeiro século, mais de cinquenta anos após a morte de Jesus, alguns cristãos de língua grega que viam Jesus como pouco mais que um ser humano, tentaram explicar como alguém como Jesus teria nascido de uma simples camponesa. Para os autores dos Evangelhos de Mateus e de Lucas, Maria seria uma virgem que teria sido inseminada pelo Espírito Santo. Esse tipo de nascimento virginal encontra paralelo na mitologia grega. Mas foi só com a decisão do Primeiro Concílio de Éfeso, em 431, um Concílio conclamado para resolver a "polêmica nestoriana" (o bispo Cirilo de Alexandria acusou o bispo Nestório de Antioquia de não se referir à Maria como Theotókos) que Maria passou a ser considerada oficialmente (embora já o fosse por muitos padres) "Theotókos", ou seja, "Portadora de Deus", aquela que deu à luz a Deus (cf. CAMPOS, 2020). Maria, então, passou a receber a chamada "hiperdulia", que é a honra e o culto de veneração especial a ela, diferente dos outros santos católicos que recebem culto de "dulia" (cf. Nova Enciclopédia católica, 1969). O prefixo grego "hiper" quer dizer "sobre; acima de" e serve para diferenciar o culto de veneração a Maria dos demais santos por uma questão de hierarquia.


 

Bibliografia


CAMPOS, Ludimila Caliman. A institucionalização do culto à Maria na literatura episcopal na prévia do Concílio de Éfeso (século v). Contraponto - Revista do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História do Brasil da UFPI. Teresina, v. 9, n. 2, jun./dez. 2020. issn 2236-6822.


CROSSAN, John Dominic. Quem matou Jesus? As raízes do anti-semitismo na história evangélica da morte de Jesus. Tradução: Nádia Lamas. Rio de Janeiro: Imago, 1995. (Coleção Bereshit)


EHRMAN, Bart D. Como Jesus se tornou Deus. Tradução: Lúcia Britto. São Paulo: Leya, 2014.


HORSLEY, Richard A.; HANSON, Jonh S. Bandidos, Profetas e Messias: movimentos populares no tempo de Jesus. 4a reimp. Tradução: Edwino Aloysius Royer. São Paulo: Paulus, 2020.


HORSLEY, Richard A. Arqueologia, história e sociedade na Galileia: O contexto social de Jesus e dos Rabis. 2a reimp. Tradução: Euclides Luiz Calloni. São Paulo: Paulus, 2017.


Nova Enciclopédia católica. Vol. 12. Tradução: Edmond George. Rio de Janeiro: Renes, 1969.


RAMALHO, Jefferson; FUNARI, Pedro Paulo; CARLAN, Cláudio Umpierre. Constantino e o triunfo do cristianismo na Antiguidade Tardia. São Paulo: Fonte Editorial, 2016.


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